eles passarão, eu passarinho

eu sempre fui passável. me passei por neurotípique, ela é só meio estranha, liga não, ela é assim mesmo. me passei por hétero até não passar mais. me passei por cis e por binárie e ainda passo pralguns. me passaram. me passaram por neurotípique porque ia bem na escola. me passaram por hetero porque é o normal. me passaram por cis porque é a única opção. nunca fui um estereótipo. meu corpo é passável, a mente sofre porque transcende e não acha pouso. me encontro aos poucos, um pouco aqui, um cadim ali. nunca por completo. não nes outres. me encontro em mim por completo. só caibo cem por cento em mim, nos meus padrões e na falta deles. na minha incompletude. continuo passável, às vezes mais, outras menos. continuo dissidente ainda assim. continuo não cabendo em caixas não minhas. continuo driblando estereótipos e seguindo minha trilha. sempre gostei de trilhas. inda mais quando no fim tem uma cachoeira. no fim da minha trilha tem eu-cachoeira, eu-rio. das entranhas da terra e em constante mudança. fluo sem margens, mas com direção. existe ordem no caos tanto quanto há caos na ordem aparente. meu caos tem intenção, direção e movimento. encontra constância no inconstante. meu caos é pergunta pra cada resposta dada. é pergunta sem resposta e resposta que ninguém pediu. eu-rio-cachoeira-vento-lua-terra-sol passo e as vezes não passo, entravo. repouso. mas sempre caibo em mim.